20 junho 2006

Outra Porta

São muitas as grades que encontro
São muitas as portas que abro
e outras tantas que se fecham

Encontro vidas errantes
e perco momentos ganhando novos erros
Encontro outra porta fechada

Vejo sinais de luta
e observo os trôpegos feridos
em busca de chaves sem portas

Ouço um canção ao longe
e abro aquela porta
e eis que encontro
outra porta

Pronome

E um eu sem nome,
e um tu apenas pronome.
Mas se marejas de teus olhos, o sal.
A secura de meu sorriso se desmancha em dor
qual ampulheta que não marca o tempo
e se esqueceu do amor.

Anjos Noturnos

As gotas orvalhadas da noite
são lágrimas dos anjos
a chorar meus erros
e meus erros envoltos em lágrimas
são buscas incessantes
por anjos nas noites

Grades

Olho pela janela
Vejo uma grade
E outra

Lá fora
Grades por todo lado
Só não há acima
E eu não sei voar

13 abril 2006

A PSICOGRAFIA

A porta se abre e dois homens entram gritando impropérios ás poltronas vazias, que desentendidas da aberração, ou talvez “berração”, a sua volta, permanecem no seu estado de inércia absoluta.
O ar pesado, que respiram os dois homens, se torna mais pesado. O sono bate à porta e, autorizado, invade as salas, os quartos e tudo que se pode desvendar, Os seres viventes, tomados de assalto, todos caem adormecidos. As horas parecem Ter parado. O tempo toma consciência de sua eterna escravidão e tenta se libertar. O caos está formado!
Nesse clima, chovendo lá fora é que entro na estória, correndo para não mais me molhar, pela porta escancarada da casa isolada e mal habitada. Tropeço, logo na entrada, em um cão enorme. Quando me viro, e vejo a fera, penso logo no fim, que poderia estar próximo; mas o animal mantinha a sua fisionomia feroz, como se fosse uma máscara mortuária; parecia estar morta ,mas parecia estar vivo. Não me preocupei. Bati palmas à procura dos donos da pequena mansão; o som ecoou por vários minutos, como se não houvesse ali móvel algum, ou mesmo, estivessem a uma distância muito maior do que a divulgada por minha torpe visão. Dirigi-me, então, à poltrona que estava próxima a minha frente. Caminhei em sua direção, horas seguidas, e nunca conseguia alcançá-la. O pânico foi tomando conta da única entidade sóbria e viva ali existente: eu. Comecei a correr como um louco, teria quebrado todos os recordes em uma olimpíada, mas tudo permanecia a mesma distância a minha frente. Outra vez me viro, mas agora o enorme cão estava tão pequeno e tão distante, que o desespero foi aumentando…Voltei voando para alcançar o, agora, filhote adormecido. Parecia um pesadelo, mas ao me beliscar a dor existiu. O cachorrinho se mantinha longe. Tentei adormecer, mas foi em vão, pois nem o chão eu conseguia alcançar. De alguma forma, outra dimensão estava zombando de mim. Estava agora em uma casa sem chão ou espaço, e com o tempo se rebelando com a situação, absurda do não regresso. Eu estava morto, pensei eu; deve ser assim o inferno. Chorei amargamente!
Passei muito tempo ali parado, pensando, tentando acordar daquele sonho maldito. Resolvi gritar em busca de auxílio externo, ou de onde quer que viesse, mas o espaço também estava louco, o som não sabia de onde sair ou mesmo para onde ir. Eu estava isolado em um limbo, ou em um sonho alheio. “E! Talvez seja isso. Agora basta acordar esse alguém”, pensei eu. Mas quem era e, como chamá-lo se eu podia falar ou chamar quem quer que seja.
Agora, vinha de algum lugar o som de palmas; pensei que estava salvo. Mas prestando atenção na cadência, vi que eram minhas próprias palmas, as da minha entrada. Outra luz se abriu, os meus gemidos de socorro poderiam aparecer a qualquer instante, ou em muitos séculos. Não importava muito, para mim o tempo não fazia muita diferença. Eu parecia estar ali há muitos anos e ao mesmo tempo, parecia que acabara de entrar.
O cão havia sumido. Agora eu estava só, e sem entender a louca viagem na qual entrara. As paredes começaram a sumir; os móveis há muito já haviam se dissolvido. Eu estava completamente só em lugar algum.
O novo cenário que se desenhou não tinha traços, era apenas a tela borrada tentando chegar a algum forma, mas o artista parecia neófito no assunto.
De repente, alguns grunhidos compareceram à minha presença. Eram três gritos distintos, cada um se anunciava a seu tempo. Juntando as três entidades, resolvi que eram: Socorro, Me ajudem. A princípio se posicionaram de tal forma que eu consegui entendê-las como mensagens, mas aos poucos foram se modificando as suas posições, os seus volumes, a entonação e o timbre; e mais ainda, cada entidade começou a “anagramar-se”, formando palavras desconhecidas e sem significado e, num último estágio, se tornaram uma só entidade, mas eu não conseguia mais vê-la, apenas um grande ruído com aparência de eterna despedida era reconhecido pelos meus sentidos, que já se confundiam. E tudo se tornou calmo e tenebroso novamente.
Enquanto ouvia a minha própria voz transfigurada, vi o mundo real, e vi, também, dois homens em profundo sono, bem á minha frente. Eu deveria estar dentro dos sonhos daqueles dois imbecis.
Muitos anos depois, após a minha morte, descobri que aqueles dois homens haviam morrido de uma dose excessiva de heroína.
O episódio de minha morte se deu antes do meu nascimento. Foi pouco depois d’eu conseguir sair da prisão da prisão psicodélica em que me encontrava:
“Aconteceu de aparecer novamente a pequena mansão, com o cão feroz adormecido na porta. Resolvi, então, sair o mais rápido possível daquele lugar horrendo. Encontrei lá for a uma escuridão que até então não conhecia; andei por muito tempo na direção oposta à casa, até que uma luz noturna se apresentou lá ao longe. Corri desesperadamente em busca da vida que prometia me aguardar do outro lado.
Chorei como criança ao pisar do lado de for a da enorme caverna, não era a emoção de estar livre, mas a tristeza da certeza de estar eternamente preso.
Eu chegara de alguma forma a um passado longínquo. Aqueles homens primitivos me assustavam. Não sabia, eu, se seria venerado como um deus, se seria oferenda a um dos seus, ou mesmo me tornaria a sua próxima refeição.”




Copyright by Manada
data ignorada, mas deve ser em torno de 1985

Caridade

Um pobre mendigo na sarjeta
uma moeda para aliviar suas dores
Um menino de rua cheirando cola
meu suspiro piedoso para aliviar suas dores
A prostituta entrando em um carro importado
Que posso eu fazer para aliviar suas dores?
Posso esconder meu rosto
de desgosto de fazer o bem
bem sem querer
Posso virar as costas e dar mais esmolas
e que não me amolem
já fiz minha parte
Posso sorrir aos desalentados
aos aleijados
aos estropiados
Posso esquecer que sou humano
e choro às vezes
e choro centenas de vezes
Posso fazer beneficência ao próximo
mais próximo
e até mesmo ao mais distante
Posso viver a minha vida
bem vivida
e bem tranqüila
Posso escolher entre fazer ou não fazer
e dizer a quem quizer ouvir
que fiz a escolha certa ou errada
Posso fazer uma prece
sem pressa
sem fé, o que interessa?
Posso orar, rezar, elevar o meu pensamento
Posso ficar aqui parado
Posso olhar no espelho
e me enxergar
muito triste
Então posso fazer o que posso
e o que não posso
Estou fazendo para mim mesmo
Estou apenas agindo
Posso estar certo
Posso estar errado


Marcilon
17/11/98

SAUDADE

A pouco tempo
lembrei-me de você
Senti saudade,
saudade?


O sol está quente
A casa suja
A comida fria
As pessoas mudas

Corra, corra, corra
O tempo vem vindo
Pule, pule, pule
As horas perdidas
Chore, chore, chore
a vida medida
Sinto a saudade pendida


Não sei se nunca
é o tempo exato
Mas sei que a saudade
é o tempo presente


by Manada
letra da Música SAUDADE

CANTO SUBURBANO

Olhando pra você
Enquanto do céu escorria
Lágrimas de Sol escondido
Olhando pra você
Não te reconheci
Em meio a tanta luz

Eu chorei
Eu chorei REFRÃO
Chorei

Depois, ano após ano
Depois, tudo, tudo
ano após ano
ainda me lembro
da profunda cor de seus olhos
profunda dor por onde eu olho

O tempo teima
os anos se foram
Lembrando de você
Choro sem cessar
a tristeza no silêncio de viver

Fuja de meus olhos
Sol telúrico
Ainda não consigo te enxergar

É HORA DE CHORAR

Quando não se quer saber
E quando foge das respostas
Em busca de palavras de conforto
Sem confronto com ninguém
É hora de chorar, de sorrir e ir embora

Quando não faz por merecer
Cedo ou tarde pode chover
Regar as flores do jardim
Inundar as casas, os barracos e mansões
É hora de chorar, de partir e não mais voltar



Copyright by MANADA
GYN, 20.04.90

Aborto

Desculpem-me!
Não consigo chamar-te: - Mãe
Nem ao outro de Pai.
São classes sublimes
de seres humanos.
Aqueles que dão a vida
e continuam doando
a própria vida.
Desculpem-me!
Mas não consigo ser grato
à morte
antes da vida.


Copyright by Marcilon
27/01/97

João


Já era alta noite e ainda não se tinha notícia do jovem João. Ninguém sabia para onde ele havia ido, o que fora fazer e sem avisar a ninguém, algo completamente atípico em suas atitudes.
O dia amanhece e João não dá notícias, o que aconteceu a João?
A notícia corre a vizinhança, ninguém entende o ocorrido, pois não era do feitio de João sair desta maneira para um destino ignorado, demorando tanto tempo para retornar.
Estaria ele doente e internado em algum hospital?
Estaria embriagado em algum bar da cidade, sob má influência de algum marginal?
Ou teria dado entrada no IML e João era hora de investigar?
Os pais de João saíram cedo a procura nos locais que era de costume do jovem freqüentar. Mas esse era o problema, pois João não freqüentava lugar algum.
No caminho, Seu Joaquim, pai de João, e D. Maria, a mãe, perguntavam a todos se não sabiam onde estava João, mas este também era outro problema, ninguém havia visto ao Jovem anteriormente, pois o mesmo não saíra anteriormente de casa, até aquela data.
Pararam em todos os bares, todas as lojas, todas as bancas de feira, todos os circos, todas as delegacias, todos os lugares; apesar de a cidade não ter nenhum circo no momento, ter apenas a pequena loja do sírio, uma pequena delegacia de uma sela, não tinha feira livre e apenas dois bares, porque metade da cidade era protestante e não havia clientela suficiente para o consumo de álcool.
João não fora encontrado, seus pais não voltaram para casa, o cachorro não latia mais e o papagaio não dizia mais nenhum palavrão. A casa estava vazia. Havia muito pó sobre os móveis e teias de aranha por toda a casa, os cupins tomaram conta de toda a estrutura de madeira da casa. Os anos se passaram.
Os vizinhos aos poucos se mudaram e ninguém sabia explicar a história de João e seus pais, nem mesmo onde João dormia em sua casa, pois havia apenas um quarto e uma cama na pequena casa de madeira abandonada. Ninguém entrara ali por todos estes anos.
Por onde andaria João, ninguém ali saberia informar, mas com certeza Seu Joaquim e D. Maria estavam procurando.

Copyright by Marcilon Fonseca de Lima
Gyn, 26/09/93

ESPECTROS

No bar, entre dezenas de pessoas, entre centenas de espectros, entre tantos pensamentos, tantos quantos eu não queria ouvir. Sentou junto a mim uma garota bastante sensual, extremamente bonita, quase vulgar, trajando um mini-vestido vermelho bem colado ao corpo.
Dirigiu-se a mim com idéias um tanto quanto inesperadas:
-Você não imagina porque estou aqui nesta mesa conversando com você?
Não respondi.
-A última hora de um ser humano...
Desta vez a interrompi:
-As máscaras que usa são engraçadas, mas esta é realmente intrigante e o seu real interesse por mim é realmente físico. Já que este estado no qual me encontro é uma face, é apenas uma face...
Ela me interrompe desta vez:
-Achei que ia gostar de terminar com um grande sorriso nos lábios, quando entrei, olhou para toda a minha aparência com um grande olhar de lascívia...
Novamente a conversa é interrompida:
-A lascívia é um "sentimento" que se tem com uma pessoa.
-Acaso me pareço com alguma coisa diferente?
-Você é uma coisa.
-Mesmo que eu seja um espectro ou uma coisa, a lascívia é um "sentimento" em relação a algo que se vê e se deseja, é o desejo em relação a uma imagem e não a uma pessoa especificamente, este outro sentimento é muito mais nobre.
-Na verdade, não sei porquê estou lhe agredindo, sempre tive um grande fascínio por você. Não posso dizer que tinha uma atração, mas era um sentimento um tanto quanto confuso, misto de amor e ódio, também não com tanta força assim... Acho que você me entende.
-Eu não posso te entender, isto eu gostaria muito. Meu estágio é único, eu nunca poderei ter tais sentimentos, nunca terei quaisquer sentimentos. Apesar destas palavras estarem parecendo de mágoas, não são, apenas narro os acontecimentos e sei que não nota nenhum tom de cinismo em minha voz.
-Se não consegue me entender, te entendo perfeitamente, aliás, porquê nossos encontros nunca chegaram ao fim, é porquê ele não existe realmente.
Os dois se entreolham.
O bar está completamente vazio, apenas os dois continuam sentados no meio do salão absortos pela conversa, que agora discorre natural e amigável.
A jovem se levanta e faz menção de se despedir; o que é, de pronto, impedido pelo seu interlocutor.
- Por favor não vá embora, você sabe que é inevitável.
- E eu sei que protelamos por demasiado tempo.
O silêncio encobre a cena e é quebrado por um pedido:
- Gostaria que você me desse o seu abraço...
A garganta seca um pouco e um leve arrepio lhe sobe à espinha, mas ele termina a frase interrompida:
- Me dê um grande, prolongado e último beijo.
Ela se aproxima dele e neste instante todo o cenário se redesenha para um novo e indescritível. Os braços dela contornam o corpo dele, no que é prontamente acompanhado. Os lábios se aproximam e se tocam.
Ao acordar ele se levanta de seu corpo, se dirige a ela, lhe agradece e antes de se despedir, comenta:
- Pensei que o seu abraço fosse frio... Pensei que o seu beijo fosse gelado. Mas, no entanto, é quente como o sopro da vida, com o hálito deste novo dia.
Olha para o seu corpo, que agora jaz inerte no centro do salão do bar e se despede da morte, que agora, trajando um longo vestido branco, lhe sorri e vai continuando o seu destino.


Copyright by MANADA, Gyn, 01 de Junho de 1993