13 abril 2006

ESPECTROS

No bar, entre dezenas de pessoas, entre centenas de espectros, entre tantos pensamentos, tantos quantos eu não queria ouvir. Sentou junto a mim uma garota bastante sensual, extremamente bonita, quase vulgar, trajando um mini-vestido vermelho bem colado ao corpo.
Dirigiu-se a mim com idéias um tanto quanto inesperadas:
-Você não imagina porque estou aqui nesta mesa conversando com você?
Não respondi.
-A última hora de um ser humano...
Desta vez a interrompi:
-As máscaras que usa são engraçadas, mas esta é realmente intrigante e o seu real interesse por mim é realmente físico. Já que este estado no qual me encontro é uma face, é apenas uma face...
Ela me interrompe desta vez:
-Achei que ia gostar de terminar com um grande sorriso nos lábios, quando entrei, olhou para toda a minha aparência com um grande olhar de lascívia...
Novamente a conversa é interrompida:
-A lascívia é um "sentimento" que se tem com uma pessoa.
-Acaso me pareço com alguma coisa diferente?
-Você é uma coisa.
-Mesmo que eu seja um espectro ou uma coisa, a lascívia é um "sentimento" em relação a algo que se vê e se deseja, é o desejo em relação a uma imagem e não a uma pessoa especificamente, este outro sentimento é muito mais nobre.
-Na verdade, não sei porquê estou lhe agredindo, sempre tive um grande fascínio por você. Não posso dizer que tinha uma atração, mas era um sentimento um tanto quanto confuso, misto de amor e ódio, também não com tanta força assim... Acho que você me entende.
-Eu não posso te entender, isto eu gostaria muito. Meu estágio é único, eu nunca poderei ter tais sentimentos, nunca terei quaisquer sentimentos. Apesar destas palavras estarem parecendo de mágoas, não são, apenas narro os acontecimentos e sei que não nota nenhum tom de cinismo em minha voz.
-Se não consegue me entender, te entendo perfeitamente, aliás, porquê nossos encontros nunca chegaram ao fim, é porquê ele não existe realmente.
Os dois se entreolham.
O bar está completamente vazio, apenas os dois continuam sentados no meio do salão absortos pela conversa, que agora discorre natural e amigável.
A jovem se levanta e faz menção de se despedir; o que é, de pronto, impedido pelo seu interlocutor.
- Por favor não vá embora, você sabe que é inevitável.
- E eu sei que protelamos por demasiado tempo.
O silêncio encobre a cena e é quebrado por um pedido:
- Gostaria que você me desse o seu abraço...
A garganta seca um pouco e um leve arrepio lhe sobe à espinha, mas ele termina a frase interrompida:
- Me dê um grande, prolongado e último beijo.
Ela se aproxima dele e neste instante todo o cenário se redesenha para um novo e indescritível. Os braços dela contornam o corpo dele, no que é prontamente acompanhado. Os lábios se aproximam e se tocam.
Ao acordar ele se levanta de seu corpo, se dirige a ela, lhe agradece e antes de se despedir, comenta:
- Pensei que o seu abraço fosse frio... Pensei que o seu beijo fosse gelado. Mas, no entanto, é quente como o sopro da vida, com o hálito deste novo dia.
Olha para o seu corpo, que agora jaz inerte no centro do salão do bar e se despede da morte, que agora, trajando um longo vestido branco, lhe sorri e vai continuando o seu destino.


Copyright by MANADA, Gyn, 01 de Junho de 1993

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