25 novembro 2007

O dia em que o trânsito parou para ver...

Cedo as coisas acontecem rápidas e por essas bandas aparenta-me sucederem mais céleres ainda, desde que não fique duas horas ou mais engarrafado no trânsito, o que é , na verdade, uma grande rotina.
Cochilava no banco dianteiro de passageiros de um carro japonês, aliás, um bom e confortável carro japonês fabricado na Índia, se não me engano. De repente o carro se detém e eu nunca soube explicar porque sempre acordo quando o carro resolve parar, mas é sempre assim que ocorre comigo desde minha mais tenra infância. Abri os olhos preguiçosos sem muita curiosidade, pois imaginei ser mais um engarrafamento ainda pior, não um simples trânsito lento, mas um com seus carros completamente imóveis e sua flatulência contínua de resíduos de diesel e gasolina. Não era nada incomum acontecer algo assim, mas geralmente era um trânsito muito vagaroso não chegando às vias de uma completa imobilização dos veículos, que fora o ocorrido ali naquele instante.
O que vi me pareceu muito cruel e nunca soube a razão real por que ocorrera o fato, o certo é que me chocou e ao contar aos amigos tratei com certa jocosidade para evitar mostrar meus reais sentimentos, escondendo-me como sempre fazia em relação ao meu verdadeiro modo de ser. Minha máscara não podia cair, mesmo se tratando de algo bárbaro e dantesco, acreditando que nem o próprio Dante pode imaginar inferno igual, pois sua obra não foi capaz de competir com a trevosa realidade.
Foram vários os comentários, muitos felinamente irônicos, que chegou a aliviar minh’alma pela narrativa desrespeitosa que havia feito da cena. Não que a vida humana não merecesse o maior respeito, ao contrário, prezo sobremaneira pela vida de qualquer ser animado em matéria ou espírito e a consciência me doía, em tempos longínquos, ao matar insetos e outros bichinhos. Alguns comentários, acho, passaram da medida e quem era eu para pensar assim, pois que houvera iniciado aquela prosopopéia.
Contava comigo, na cabina do carro, o motorista, o qual ao que me pareceu, estava a se divertir de certa forma perante o desenrolar dos acontecimentos, talvez fosse um sentimento meu muito mais que a realidade, pois o fato era por demais cru e “humano” para deixar de sentir alguma repulsa. O sorriso nos lábios grandemente carnudos e encarnados eram, talvez, sinal de nervosismo frente àquela violência tão típica da “racionalidade” humana.
O olho brilhante do condutor nem piscava ao contemplar o fogo, que refletia de maneira inocente em suas pupilas, dando a impressão de ter olhos incandescentes. Aos poucos o fogo cresceu e os gritos lancinantes se extinguiram, deixando o som crepitante das chamas se confundirem apenas com os ruídos embriagados da glória da turba ensandecida. As labaredas desaparecendo ao mesmo tempo em que os carros começavam a se mover enquanto os sons das sirenes eram ouvidas timidamente algures se deslocado para ali. O tumulto se desfez deixando o réu condenado com sua pena capital à mostra para exemplo ou talvez nem fosse por isso. A vítima não foi identificada posteriormente e nenhum participante da execução foi interpelado ou indiciado e as duas partes do infeliz foi enterrada como indigente sem que qualquer parente viesse reclamar para si essa responsabilidade. Os jornais pareciam acostumados ao fato e não deram importância ao fato de uma pessoa ter sido linchada carbonizada dentro de pneus até que seu corpo se partisse em dois.
O trânsito não se normaliza nunca nessas paragens, pois o normal nem se saberia dizer como é, mas os carros começaram a se mover lentamente como de costume e os seus passageiros poderiam admirar aquela estátua recém esculpida pelo fogo.


Luanda, novembro de 2007

(obra de ficção)

19 novembro 2007

Purê angolano

Fiz um purê preto ontem aqui em Angola e ficou muito bom.

Ingredientes:
meio Kg de batata inglesa;
1 colher de sopa de azeite puro extra virgem;
50 ml de vinagre da preferência;
2 dentes de alho grandes amassados com sal;
1 colher de sopa de molho shoyo;
uma pitada de erva fina de sua preferência (também pode ser salsa, coentro etc.).

Modo de preparo:
Massa:
Cozer a batata em vapor, pode usar a vasilha de cuzcs, por exemplo e ponha agua na parte inferior e a batata na parte superior e tampe. Ponha em fogo brando até que a batata cozinhe.
Descasque as batatas e amasse-as em uma vasilha.
Molho:
Misture os outros ingrediente em um recipiente e misture bem.
Final:
Coloque o purê na vasilha onde será servida e misture o molho até que o purê fique homogêneo e com a cor escura.

É só servir, fica com um azedinho e um agradável sabor do alho. Todos os ingredientes podem ter sua quantidade alterada de acordo com o paladar de cada um. Por exemplo, se achar que não tem sal suficiente, pode aumentar a quantidade de shoyo ou colocar sal e assim por diante.

Espero que gostem.

Hoje é dia 19

Hoje é dia 19 e amanhã será dia 20, porém amanhã chegará e será hoje, entretanto hoje já não mais 19 dias e sim o dia 20.
Hoje será ontem amanhã.

15 novembro 2007

Lente

Contemplar assim de perto
o que parece tão frágil
miserável e sem graça.
Em meio ao universo grandioso,
apenas um ponto,
um nada sem história.
Em lente poderosa trasforma-se,
transmuta-se em algo
que pode-se sentir.
Agora definidos ou quase
serão malditas as horas seguintes.
Benditas por se querer deslindar
mantendo belas ou não
as novas vidas desengraçadas,
entrelaçadas em mil causos
e cada um sem fim.
Por qual olhar curioso sofres assim?
A distância bem vinda os chama.
Seria melhor apenas os números
e as distâncias cada vez maiores.

Onde?

Um dia se passou sem que percebesse.
As horas vadias se foram a seu turno,
contaram-se os minutos e os segundos
e percebemos a fúria do tempo
em viagem funérea ao futuro
de cada um.


Não ouvi qualquer resmungo,
nem ao menos um lamento.
Tão somente o caos certamente incerto:
Os vulcões, as tempestades, as fúrias,
as escolas, os lares, os bares...
A vida de cada um


Como um catre onde se sonha,
fadas e demônios,
vidas e mortes,
amores e desencantos,
anos em segundos,
turbilhões diáfanos;
às vezes não se acorda.