23 março 2008

Já é tempo

Adoeço em meu tempo
Horas Parcas me restam nesta era
E eu me calo sem razão
Se me queres motivo de minha mudez
É que sou mudo assim mesmo
Mesmo podendo falar milhões
Ao mesmo tempo que não lhe ouço frase qualquer
Nem sim, não ou talvez ou até mesmo impropérios me diriges
Sou surdo, sei bem, mas sempre lhe ouvi
E o som do silêncio é belo, mas é o mais triste dos sons
Se calo, devo estar triste
Se calas, não sei porque
Não sei se tolo ou se fugaz
Nada sei nesse momento de lucidez
Nada sei a qualquer hora
Sei apenas que não lhe ouço
Sei que nada lhe direi também
Meu tempo nesse tempo já é findo
É hora
De partir



Luanda, 23 de Março de 2008

Lembranças esquecidas

Sinto minh’alma cada vez mais fraca
Sinto minha calma cada vez mais forte
Sinto que nada poderei sentir
Sinto pena de minha pena de mim
Tenho vontade apenas de amarar...
Minha vontade secreta era amar
Mas nem sei porque poderia eu querer
Sei o mal que pode me fazer
Por isso sempre me esqueço minhas ilusões
Sigo sempre em frente por toda vida
Sempre em rumo e naquela direção
Mas eu não busco nada
Sei que nada poderei encontar
Apenas a dor e o sofrimento
Apenas frio ou calor a cada momento
Se soubesse porque bate meu coração
Porque pulsa em minhas veias sangue tão bom?
E ainda como, durmo, bebo e adoeço
E fabrico fezes e esterco mental
Me diga alguma coisa
Se estou certo ou errado ou se sou bom ou ruim
Se eu preciso viver ou se nada mais posso fazer
Pena que eu não vivo mais a minha vida
Doei-a a você a tanto tempo
Mas nada posso reclamar
Até sorri por vezes
Hoje tenho lembranças
Esquecidas lembranças



Luanda, 23 de Março de 2008

Hoje não tenho vontade

Hoje minha vontade de viver não é assim tão forte
Vou sair um pouco e ver se encontro alguma luz
Pena que a luz é tão intensa lá fora
E eu não sei se vou conseguir descobrir
Eu ainda busco seu rosto e seu gosto dentre tantos
E de modo algum consigo distinguir qualquer um
Eu gostaria ter vontade pelo menos de ter vontade
Me diga alguma coisa ou acenda uma luz diferente
... para mim

As horas que vão se passando me deixam cada vez mais perto
E, se passaram, nada tinham para me falar
Eu sinto que a escuridão está chegando
Me cegando a cada passo que eu não dou
Ou cada palavra que não venho a proferir
Sou inexato e profano sempre em busca
Mas eu nada quero buscar, hoje não
Quero me deitar em berço explêndido
Contemplá-la chegar devagarinho e sorrateira
Em seu manto negro abutre
Com sua voz gélida
Seu hálito seco
Seus olhos incertos
Sua luz ausente
Seu alvo sempre certo
Sua forma disforme

Consigo contar os segundos, pois que não passam
Meu tempo está se aproximando lentamente
Eu sinto que hoje eu não tenho vontade de viver
Mas mesmo assim o tempo passa lentamente
Preciso é acordar agora mesmo desse pesadelo
Mesmo desperto eu preciso velar
Em sono profundo onde me encontro
Esperando, simplesmete esperando, eu penso não poder ficar
Calado, mudo e inexato
Surdo, mouco e secreto
Eu ainda acho que deveria querer
Quem sabe por alguma causa lutar
E perder pelo menos
Alguma coisa pelo menos
Acho que minha vontade de viver não é assim tão forte



Luanda, 23 de Março de 2008

21 março 2008

Estou só

Eu sei o que é ficar sozinho
E ainda assim não quero mais qualquer multidão
Quero minhas lágrimas ocultas de vocês
Principalmente chorar sem me esconder
Pois já me escondi aqui tão só
Tão só...

Tantas vezes me senti como se não fosse assim
Sem ninguém a me chamar
Sem alguém a me querer
Que nem quis chorar outra vez
Mas ainda não sequei minhas lágrimas
Ainda não...

Eu ainda sei o que é estar tão só
Mas mesmo assim não quero vocês
Ao meu lado ou ao meu lado ou ao meu lado
Não quero ninguém me chamando de meu amigo
Nem me dizendo ser seu amor
Não diga nada...

Sei que não estou só
Mas só assim eu sei que sozinho estou
E não há ninguém ao meu lado
Nem do meu lado
Por mim não há ninguém
E dentro da multidão
Estou só...


Luanda, 21 de Março de 2008

Semente

A semente brota em terreno fértil
Tão podre é e todos sabem sem perceber
Quão fértil é a podridão
Enraiza e se alimenta
Cresce para cima e para baixo
Não mais semente será
E agora terá dias difíceis
Será que água terá?
E pútrida sorte lhe alimentará?
Mas se ainda semente, caísse em terras limpas
Nada iria lhe preocupar
Nem água
Nem comida
Pois nunca iria saber


Luanda, 21 de Março de 2008

Esperança maldita

A todo momento eu olho para ti sem resultado
A todo instante busco teus sinais sem qualquer reposta
Porque ainda insisto em ti? Esperança maldita
Me faz sentir-me tolo uma vez mais
E outra ainda
E assim incessantemente

Vai-te de mim tolo sentimento
Afasta-te para tão longe quanto nem sei te ouvir
Desapareces de minh’alma enquanto não consegues me sufocar
Não te quero mais
Não desejo magoar minha ilusão
E assim viver sem tu, maldita esperança

Entretanto, busco teus sinais
Qualquer rastro me bastaria
Um simples vestígio de tua existência
Realmente seria suficiente saber-te existir
Mas assim mesmo te maldigo
E nem quero essa esperança maldita



Luanda, 21 de Março de 2008

Voltei

Voltei a respirar
Voltei a sentir o ar
Voltei a falar
Voltei a sentir

Voltei
Era apenas um sonho?
Ou adormeci durante tanto tempo?
Sei que voltei

Me levanto de meu catre
Olho para todos olhos abismados
Olho os choros saídos
Os sustos adormecidos


Luanda, 21 de março de 2008

Esse é o fim

Me sinto tão só
E tão só estou aqui nesse lugar
Mas não se preocupem comigo
Amanhã há de piorar
Me sentirei tão só
E tão só eu estarei aqui nesse lugar
Mas não se preocupem comigo
Sempre poderá ser pior

Nem choro lágrimas de sangue
Ou grito através de minha mudez
E nem ouço por meus ouvidos surdos
Apenas vejo tanta tristeza
Apenas vejo tanta coisa
Mas não quero ficar cego ainda
Preciso enxergar o fim
E saber se ele é bom ou ruim

Quando ouvia sua voz
Me dizia que tudo passaria
Tudo passou realmente
Tudo acabou
Mas esse não é o fim
Pois ainda não consegui enxergar
Aquela luz intensa em minha direção
Acho que esse é o fim



Luanda, 21 de Março de 2008

Vou envelhecer

Não consigo mais contar os dias
Tantas horas passam e nem me dou por isso
De tantas horas que passam
Tantos dias já se foram
E eu nem consigo mais contar os dias

Me arrasto pelo tempo
Esse ser tão ignóbil e mesquinho
Porque teimas em seguir comigo e nunca freia esse teu paradeiro?
Porque não queres lutar comigo?
E andas lépido diante de minha sofreguidão
Odeio-te, quimera em minha vida

Ele passeia aqui de meu lado
Não me ouve e nada me diz
Apenas passa ao largo
A passos largos
Grito assim mesmo
E me movo sempre ao seu lado
Sempre ao seu lado

Pode ser que hoje a gente se despeça
Meu caminho poderá não mais prosseguir
Assim tão junto a ti.
Tão escravo de teus anos, horas e teus atrozes segundos
Hoje eu poderei partir
Sei que também poderás rir de mim
Mas eu terei minhas próprias gargalhadas a soltar
Será que serei assim tão infinito?
Deixas-me por favor
Que minhas cãs nada têm a te dizer
Não tenho nada a dizer


Luanda, 21 de março de 2008