01 novembro 2008

O cotidiano

Não ando assim tão triste ultimamente

Essa tal felicidade que continua me perseguindo

Sei que os dias passam, cansados

Que as noites terminam, adormecidas

O apetite se acaba, em gula

A sede, muitas vezes, se embebeda

Minha sanidade à prova, toda hora

Insanos minutos ou segundos

Há dias não lhes vejo

Nem rogo lhes rever tão cedo

Amanhecem dias calmos por aqui

E furacões, maremotos, batalhas, eleições...

Sombras que refrescam tanta luz

Tanta luz em meus olhos

Tantos olhos velando por mim

Por nós

Enfileiradas, as velas nos altares

E nas alturas

Nos sepulcors caiados

Mesmo assim eu não ando tão triste

Gosto das tolas emoções cotidianas

Cheiro de chuva

E do arroz com feijão

Banho de mar

Esse seu sorriso tão feliz

Que às vezes até sorisso me surpreende

Sozinho ou no meio da multidão frenética

Adoro meu quarto longe de tanta gente

Minha solidão

Inda bem que não sou assim

E sem saber como sou

Que eu continuo

Tolo

Nesse meu dia-a-dia


Luanda, 01 de Novembro de 2008

Efemérides

Porque os vermes não são um destino nobre?
São as variadas mortes nos campos
As muitas sortes de todos esses pobres
Lembram corpos caídos ainda limpos
Suave sulgar de sangue em "Canudos"
Miseráveis espíritos, ainda todos mudos
Cabeças separadas de toda ordem
Maçons, rosacruzes, padres e muitos outros poderes
Cujas vidas se esgotam sutis e ardem
Nem sequer recuperam seus haveres
As tolas rimas cessam
Em farrapos ao sul
"Libertas quae" não será amém
Nem ninguém
Favelas que se formaram por todas cidade
E eu rio em janeiro
Seus soldos que não nos pagaram
Chagam feridas podres e mal cheirosas
Mesmo assim cantam rosas
Que não falam, não gorjeiam
e morrem como tudo o mais
Contudo é beleza
Efêmera


Luanda, 01 de Novembro de 2008

30 outubro 2008

Geração eleita

A geração eleita
nada fez por merecer
Sua geração completa
nessa nação repleta
de tanto sangue imundo

Essa gereação eleita
sem qualquer pleito
não podia ser assim
tão ruim em sua raiz
e ninguém lhes diz

- Mundo, mundo!
bradam mudos
e surdos a não ouvir
seria a gereção eleita
essa raça tão perfeita?

Nenhum de vocês faz parte
e partiram ontem toda geração eleita
nem arianos, nem mestiços, nem ninguém
porque essa raça tão perfeita
nada fez

12 outubro 2008

As Janelas


Janelas nuas espreitam dores alheias
Vestidas da noite sonham sonhos amenos
pesadelos natimortos e sem fim
Quando acordam sois, levam outras tristezas e novas alegrias
Janelas floridas despertam sonolentas, saudosas ou não
Janelas coloridas nem se escondem
mas ocultam suas próprias dores
Noites de Lua refletem em seus olhos apagados
Noites sem lua mostram estrelas e outros guias
As portas se fecham
e as luzes se apagam


estrada de Dondo a Luanda, 12 de outubro de 2008

26 abril 2008

Os caçadores de cabeças de crianças estavam a solta


Os caçadores de cabeças de crianças estavam a solta. Eram homens civilizados e de boa aparência. O chefe deles dirigia uma camioneta de cabine dupla importada e cor magenta. A barba em estilo cavanhaque à nobre disfarçava suas ações nas tribos vizinhas. Era o mais polido e cortês em toda a região. Seu dízimo em todas as igrejas era sagrado; tanto na católica quanto nas três denominações protestantes eram depositados com fidelidade todo mês. Eram gastos quarenta por cento de seus vencimentos no agrado de bispos e pastores e a comunidade o admirava por tamanha devoção e nenhum dos templos pensava em tirar satisfação com ele para ter exclusividade de sua fé, visto que suas doações engordavam sobremaneira os cofres divinos.

Os discípulos de Pedro eram-lhe mais fiéis ainda e nada deixavam para trás em relação às boas ações, pois se queriam estar com ele, deveriam fazer jus à bondade que lhe era auferida. Eram os doze inseparáveis e às Sextas-feiras aconteciam suas reuniões secretas onde nenhum mortal poderia presenciar sob pena de serem execrados pela opinião pública.

Ficava intrigado, o jornalista do semanário local, que tinha esse nome, mas geralmente rodava quinzenalmente, pois não havia leitores suficientes e sobrevivia das verbas governamentais, que eram poucas para aquela região longínqua no centro da África. José reparou que as crianças desapareciam sempre nas quartas-feiras, dois dias antes das reuniões secretas e reapareciam sem cérebro dois dias depois. Tamanha coincidência não poderia deixar de ser investigada, mesmo que por um pacato cidadão de uma vila inexpressiva e que nunca havia saído dali, exceto para receber seu diploma de jornalista por correspondência na capital, fato festejado por toda a região, que teria um ilustre morador de nível superior em seu meio. Acontecimento esse que não lhe rendera um centavo a mais em seus rendimentos e precisava continuar trabalhando nas poucas terras de seus ancestrais na plantação de mandioca e fabricação do polvilho.

Era segunda-feira, o dia de aparecer o corpo de uma criança, mas não havia desaparecido nenhuma naquela semana, isso intrigou José e ele foi à sede das reuniões místicas vigiar a movimentação por aquele sítio. Nada de anormal aparentava, exceto algumas catanas velhas sobre a mesa da recepção. Eram doze ao total e havia uma em especial que lhe chamou a atenção, pois o fio de corte brilhava intensamente e um rajado de vermelho sobressaia-lhe, como se algo houvesse sido cortado com força e jorrado sangue ou algo de coloração vermelho escura, deixando aquela forte impressão.

Esperou por ali mais alguns instantes e verificou que um saco com um conteúdo pesado saia de dentro da construção em direção à porta, parecia muito com uma carga de um animal abatido, tipo um leitão grande ou algo parecido, mas bem magro e um temor percorreu-lhe todo o corpo com o pensamento de uma pobre criança abatida em ritual macabro dentro daquele local nefando e agora iriam se desfazer do corpo sem cérebro em algum matagal longe dali. José precisava agir rápido para poder desmascarar aquele antro de maldade e proteger toda a região daqueles demônios em peles de cordeiros mansos e sem máculas. Sua cabeça começou a girar e a fraqueza foi tomando conta de seu franzino ser e em breve as vistas lhe turvaram por completo e só se levantou dois dias depois no hospital público da cidade.

O hospital merece uma descrição pormenorizada, A fachada colonial parecia em bom estado, exceto pelas marcas de balas de AK-47 e alguns sinais de ataques de bombas, que lhe havia derrubado os muros e a recepção. A recepção, mesmo tombada em combate havia ganhado uma mesa e uma simpática secretária recebia todos os doentes explicando-lhes sempre que não havia vagas, mas que esperassem por ali que os doutores cubanos e chineses iriam atendê-los. Quando se conseguia entrar nas salas, essas não traziam mais surpresas, pois mantinham as mesmas características arquitetônicas das rajadas de balas e ataques por morteiros, sempre faltando janelas, portas e até mesmo telhados, mas a mesa e o doutor estavam ali para receber a todos com presteza, apesar de não ser assim que os doentes enxergavam, porque tudo que os doutores lhes falavam era interpretado como grosseria ou falta de educação, mas todos eram atendidos e muitos eram levados para as enfermarias, essas eram espalhadas por todo prédio, já que não havia, por ali, apartamentos, uti’s ou quaisquer outras unidades especiais. Os partos eram abrigados nos corredores e as cirurgias praticadas sob lonas pretas, que evitavam as goteiras e buracos nos tetos. Tudo era muito bem cuidado pelos dois zeladores, que não venciam o trabalho e cada um, a seu turno, fazia o melhor, apesar de não conseguirem, nunca, manter qualquer ambiente limpo por mais de dez minutos.

Sr.José estava ali, tomando soro, cujo recipiente estava pendurado em um cabo de vassoura, amarrado por um barbante reutilizado das correspondências vindas da capital. Ao seu lado se encontrava um rapaz com paludismo e uma senhora que acabara de ganhar gêmeos univitelínicos e amamentava ambos, um em cada peito, mesmo que sua magreza testemunhasse a impossibilidade de tais proezas, ter filhos ou amamentar. Nada explicava porque José estava ali, já que ele nunca havia sentido nada na vida e sempre fora forte e sadio. Dentro de sua tribo sempre foi considerado o leão e essa sua visita ao hospital era por demais inusitada para ele e para os seus. Pior ainda quando descobriu que não poderia escrever, pois seus membros superiores haviam desaparecido e não tinha movimento nas pernas. Enxergava perfeitamente e quando foi chamar Da. Josefina percebeu algo mais atroz em seu novo estado, estava mudo.

Aos poucos descobriu que os doze lhe haviam levado ao hospital e deram todo apoio necessário e mandaram vir médicos da capital e compraram toda espécie de medicamento necessário para o sua pronta recuperação. Pedro ali passara todas as noites com ele, desde a sua internação, cuidando de cada detalhe e auxiliando os enfermeiros em tudo que fosse necessário, até mesmo levando José ao banheiro para satisfazer necessidades puramente fisiológicas, mesmo que tivesse que entrar no mais insalubre e pútrido ambiente de toda África, já que água não existia nas instalações hospitalares e Pedro colocava delicada e disfarçadamente uma pasta gel de eucalipto sob as narinas para diminuir o efeito do forte odor de fezes, urinas e vômitos amontoados naquela região. As palavras proferidas por ele sempre eram de carinho, atenção e préstimo a todos que lhe dirigiam qualquer palavra. Como José poderia desconfiar que aquele anjo poderia ser capaz das atrocidades vis praticadas naquela parte esquecida do planeta? A consciência já lhe doía quando um pequeno detalhe lhe chamou a atenção, o Pedro sempre fitava os pequenos garotos e os media demoradamente com os olhos, chegava a esquecer onde estava, como se em transe estivesse e voltava a si lentamente, mas sempre com um sorriso angelical e boas palavras para todos que estavam próximos. Porque será que os doze precisariam de tantas almas? Que ceifa seria aquela e em prol de qual entidade das trevas estariam a trabalhar e daquela forma tão disfarçada? Como José poderia investigar sem os movimentos das pernas, sem as mãos e mudo?

No jornal que estava com Pedro havia a manchete da doença de José e do desaparecimento de mais uma criança de uma comunidade próxima, estando todos esperando que o corpo aparecesse mutilado em alguma parte, mas nada poderiam fazer em relação àquela alma até que os restos infantis aparecessem para que se cuidasse do velório e todos os outros rituais necessários para que aquele ser pudesse dar entrada no outro plano sem mais traumas, mas como seria possível fazer tal coisa sem encontrar o corpo da criança? Outra coisa que intrigava o José era o próprio jornal, já que ele era o jornal e não havia ninguém para fazer as matérias, imprimir e distribuir por toda região. Ele não tinha como solicitar o Pedro para lhe deixar ler, já que não possuía voz e nem ao menos mãos para agarrá-lo e fazer gestos para tentar ser entendido. O que conseguiu entender era que o corpo não havia aparecido e todos os doze sempre estiveram na cidade em seu auxílio dentro do hospital. O sono apertava imensamente e José adormeceu, contra a sua vontade, pois tinha medo que algo pudesse lhe acontecer.

Na cela da cadeia local, onde quase não haviam presos e os policiais nunca se davam ao trabalho de averiguar quem lá estava ou se era necessário limpar ou alimentar os hóspedes, amanheceu o José. Ao abrir seus olhos, essa nova cena lhe causou espanto e vários minutos esperaram até que conseguisse concatenar as idéias e se situar espacialmente, pois não havia a menor possibilidade de saber qual era o dia ou hora naquele local lúgubre, mal-cheiroso e solitário, uma solidão que causava maior mal-estar que qualquer outro gerado ali dentro. Suas mãos haviam voltado ao local de origem, conseguia caminhar normalmente, mas a sua voz realmente não era ouvida, posto que não conseguia emitir qualquer som, mesmo que fosse incompreensível. Não sabia se a situação era melhor ou pior que a anterior. Estava com fome e sabia que não iria se alimentar, pois toda sua família morava em outros sítios e demoraria muito a sentir sua falta. Na cidade, ele não era a figura mais popular e dificilmente alguém ousava desafiar as autoridades para levar alimentos ao presos, que invariavelmente morriam naquela cela e eram retirados alguns dias depois, já em estado de decomposição iniciado. Em todo caso, dera sorte, pois haviam limpado a cela antes de sua entrada, não sabia ele qual milagre teria acontecido para isso, mas estava aliviado, seria impossível respirar ali dentro, se não houvessem feito tal caridade. Quem teria feito aquela caridade? Sua resposta estava prestes a ser respondida, Pedro aparece ali para ter com ele e lhe faz uma longa visita, entretanto nada do que lhe é dito ele consegue entender e Pedro vai-se embora débil envolto em lágrimas e nada significou para o detento, que ficara ali, novamente sozinho e preso, mas poderia se alimentar com a marmita deixada naquela visita inesperada. José tomou muito cuidado naquela simples tarefa, evitando deixar restos e colocando a vasilha em local onde pudesse causar o menor mal às suas narinas quando começassem a putrefazer as sobras daquela sua última refeição.

Dois dias depois, José ainda não conseguira dormir com tanta festa que havia no vilarejo com aquele barulho ensurdecedor de tambores e outros instrumentos tribais e cantorias desconexas adentrando sua cela, fazendo uma companhia incômoda. Vieram buscá-lo para a execução e ele se deixou levar sem qualquer resistência, pois assim era a lei naqueles casos, ele tinha a sorte de não ter que morrer de inanição e convivendo com as próprias fezes por dias seguidos. Na praça, no meio de uma turba sedenta de espetáculo, ele foi colocado na presença de uma criatura vestida em palha, percebia que era uma mulher, pois estavam os seus belos seios negros à mostra. A mulher era muito grande, deveria ter pelo menos dois metros de altura e muita força emanava de seu corpo musculoso que segurava uma catana, a mesma que ele havia visto na casa de Pedro. As crianças desaparecidas estavam todas ali a cantar e dançar como era o costume. A catana subiu veloz e em um golpe certeiro decepou a cabeça de José.

Não haveria mais semanário naquela cidade, não haveria mais mistério a ser resolvido e nem ao menos cérebros para alimentar máquinas ou deuses sanguinários. Na casa de José havia sido descoberto uma grande quantidade de catanas, velas, corpos sem cabeça e um diário. José não sabia nada daquilo, porém essa fora a causa de sua desgraça. Dias depois os treze mudaram de província e ali começaram a sumir crianças. Talvez outro José iria desaparecer também.

Os sonhos e pesadelos eram muito reais naquelas regiões esquecidas dos anjos e dos santos e Pedro ainda não conseguia dormir e sua tristeza era imensa, mas seu destino era apenas seu e cada um tem que carregar o próprio fardo ao mesmo tempo que todas as suas preces nunca eram ouvidas e talvez nem fossem proferidas.




Angola, 26 de abril de 2006

11 abril 2008

Meus sonhos vencidos

Os sonhos que me venderam estavam vencidos

Mesmo assim procurei usá-los, posto que eram os únicos à mão

Sonhei pouco desses sonhos, mas não eram ruins

Acho, antes, que não soube ler bem as instruções

Eram sonhos loucos de guerras inexistentes

Sonhos desconexos de pessoas felizes

Sonhos, por vezes inocentes demais, mesmo sendo sonhos e mesmo vencidos

Sonhei deles, algumas vezes, estando acordado

E me achei abobalhado sorridente dentre outras pessoas

Me trai tendo sensações alegres nessas bobagens

Mas sabia que os sonhos estavam estragados

Tinha certeza que não podia sonhá-los sem danos

Sinto saudades daqueles dias simples

Muita falta me fazem aquelas tolices

Porém não tenho mais ninguém a me vender sonhos vencidos




Luanda, 11 de Abril de 2008

23 março 2008

Já é tempo

Adoeço em meu tempo
Horas Parcas me restam nesta era
E eu me calo sem razão
Se me queres motivo de minha mudez
É que sou mudo assim mesmo
Mesmo podendo falar milhões
Ao mesmo tempo que não lhe ouço frase qualquer
Nem sim, não ou talvez ou até mesmo impropérios me diriges
Sou surdo, sei bem, mas sempre lhe ouvi
E o som do silêncio é belo, mas é o mais triste dos sons
Se calo, devo estar triste
Se calas, não sei porque
Não sei se tolo ou se fugaz
Nada sei nesse momento de lucidez
Nada sei a qualquer hora
Sei apenas que não lhe ouço
Sei que nada lhe direi também
Meu tempo nesse tempo já é findo
É hora
De partir



Luanda, 23 de Março de 2008

Lembranças esquecidas

Sinto minh’alma cada vez mais fraca
Sinto minha calma cada vez mais forte
Sinto que nada poderei sentir
Sinto pena de minha pena de mim
Tenho vontade apenas de amarar...
Minha vontade secreta era amar
Mas nem sei porque poderia eu querer
Sei o mal que pode me fazer
Por isso sempre me esqueço minhas ilusões
Sigo sempre em frente por toda vida
Sempre em rumo e naquela direção
Mas eu não busco nada
Sei que nada poderei encontar
Apenas a dor e o sofrimento
Apenas frio ou calor a cada momento
Se soubesse porque bate meu coração
Porque pulsa em minhas veias sangue tão bom?
E ainda como, durmo, bebo e adoeço
E fabrico fezes e esterco mental
Me diga alguma coisa
Se estou certo ou errado ou se sou bom ou ruim
Se eu preciso viver ou se nada mais posso fazer
Pena que eu não vivo mais a minha vida
Doei-a a você a tanto tempo
Mas nada posso reclamar
Até sorri por vezes
Hoje tenho lembranças
Esquecidas lembranças



Luanda, 23 de Março de 2008

Hoje não tenho vontade

Hoje minha vontade de viver não é assim tão forte
Vou sair um pouco e ver se encontro alguma luz
Pena que a luz é tão intensa lá fora
E eu não sei se vou conseguir descobrir
Eu ainda busco seu rosto e seu gosto dentre tantos
E de modo algum consigo distinguir qualquer um
Eu gostaria ter vontade pelo menos de ter vontade
Me diga alguma coisa ou acenda uma luz diferente
... para mim

As horas que vão se passando me deixam cada vez mais perto
E, se passaram, nada tinham para me falar
Eu sinto que a escuridão está chegando
Me cegando a cada passo que eu não dou
Ou cada palavra que não venho a proferir
Sou inexato e profano sempre em busca
Mas eu nada quero buscar, hoje não
Quero me deitar em berço explêndido
Contemplá-la chegar devagarinho e sorrateira
Em seu manto negro abutre
Com sua voz gélida
Seu hálito seco
Seus olhos incertos
Sua luz ausente
Seu alvo sempre certo
Sua forma disforme

Consigo contar os segundos, pois que não passam
Meu tempo está se aproximando lentamente
Eu sinto que hoje eu não tenho vontade de viver
Mas mesmo assim o tempo passa lentamente
Preciso é acordar agora mesmo desse pesadelo
Mesmo desperto eu preciso velar
Em sono profundo onde me encontro
Esperando, simplesmete esperando, eu penso não poder ficar
Calado, mudo e inexato
Surdo, mouco e secreto
Eu ainda acho que deveria querer
Quem sabe por alguma causa lutar
E perder pelo menos
Alguma coisa pelo menos
Acho que minha vontade de viver não é assim tão forte



Luanda, 23 de Março de 2008

21 março 2008

Estou só

Eu sei o que é ficar sozinho
E ainda assim não quero mais qualquer multidão
Quero minhas lágrimas ocultas de vocês
Principalmente chorar sem me esconder
Pois já me escondi aqui tão só
Tão só...

Tantas vezes me senti como se não fosse assim
Sem ninguém a me chamar
Sem alguém a me querer
Que nem quis chorar outra vez
Mas ainda não sequei minhas lágrimas
Ainda não...

Eu ainda sei o que é estar tão só
Mas mesmo assim não quero vocês
Ao meu lado ou ao meu lado ou ao meu lado
Não quero ninguém me chamando de meu amigo
Nem me dizendo ser seu amor
Não diga nada...

Sei que não estou só
Mas só assim eu sei que sozinho estou
E não há ninguém ao meu lado
Nem do meu lado
Por mim não há ninguém
E dentro da multidão
Estou só...


Luanda, 21 de Março de 2008

Semente

A semente brota em terreno fértil
Tão podre é e todos sabem sem perceber
Quão fértil é a podridão
Enraiza e se alimenta
Cresce para cima e para baixo
Não mais semente será
E agora terá dias difíceis
Será que água terá?
E pútrida sorte lhe alimentará?
Mas se ainda semente, caísse em terras limpas
Nada iria lhe preocupar
Nem água
Nem comida
Pois nunca iria saber


Luanda, 21 de Março de 2008

Esperança maldita

A todo momento eu olho para ti sem resultado
A todo instante busco teus sinais sem qualquer reposta
Porque ainda insisto em ti? Esperança maldita
Me faz sentir-me tolo uma vez mais
E outra ainda
E assim incessantemente

Vai-te de mim tolo sentimento
Afasta-te para tão longe quanto nem sei te ouvir
Desapareces de minh’alma enquanto não consegues me sufocar
Não te quero mais
Não desejo magoar minha ilusão
E assim viver sem tu, maldita esperança

Entretanto, busco teus sinais
Qualquer rastro me bastaria
Um simples vestígio de tua existência
Realmente seria suficiente saber-te existir
Mas assim mesmo te maldigo
E nem quero essa esperança maldita



Luanda, 21 de Março de 2008

Voltei

Voltei a respirar
Voltei a sentir o ar
Voltei a falar
Voltei a sentir

Voltei
Era apenas um sonho?
Ou adormeci durante tanto tempo?
Sei que voltei

Me levanto de meu catre
Olho para todos olhos abismados
Olho os choros saídos
Os sustos adormecidos


Luanda, 21 de março de 2008

Esse é o fim

Me sinto tão só
E tão só estou aqui nesse lugar
Mas não se preocupem comigo
Amanhã há de piorar
Me sentirei tão só
E tão só eu estarei aqui nesse lugar
Mas não se preocupem comigo
Sempre poderá ser pior

Nem choro lágrimas de sangue
Ou grito através de minha mudez
E nem ouço por meus ouvidos surdos
Apenas vejo tanta tristeza
Apenas vejo tanta coisa
Mas não quero ficar cego ainda
Preciso enxergar o fim
E saber se ele é bom ou ruim

Quando ouvia sua voz
Me dizia que tudo passaria
Tudo passou realmente
Tudo acabou
Mas esse não é o fim
Pois ainda não consegui enxergar
Aquela luz intensa em minha direção
Acho que esse é o fim



Luanda, 21 de Março de 2008

Vou envelhecer

Não consigo mais contar os dias
Tantas horas passam e nem me dou por isso
De tantas horas que passam
Tantos dias já se foram
E eu nem consigo mais contar os dias

Me arrasto pelo tempo
Esse ser tão ignóbil e mesquinho
Porque teimas em seguir comigo e nunca freia esse teu paradeiro?
Porque não queres lutar comigo?
E andas lépido diante de minha sofreguidão
Odeio-te, quimera em minha vida

Ele passeia aqui de meu lado
Não me ouve e nada me diz
Apenas passa ao largo
A passos largos
Grito assim mesmo
E me movo sempre ao seu lado
Sempre ao seu lado

Pode ser que hoje a gente se despeça
Meu caminho poderá não mais prosseguir
Assim tão junto a ti.
Tão escravo de teus anos, horas e teus atrozes segundos
Hoje eu poderei partir
Sei que também poderás rir de mim
Mas eu terei minhas próprias gargalhadas a soltar
Será que serei assim tão infinito?
Deixas-me por favor
Que minhas cãs nada têm a te dizer
Não tenho nada a dizer


Luanda, 21 de março de 2008

02 fevereiro 2008

As folhas de outono

As folhas caem no outono
Sem saber que o outono chegou
Sem saber que o outono as levará

As flores murcham a qualquer hora
E a qualquer hora as flores crescem
Sem saber que mãos caridosas as ceifarão

As raízes apodrecem
Mas demoram a apodrecer
Sem saber quando ou porquê

O troncos caem
Sob o machado ou sob o tempo
Mas caem e nem ao menos podem correr

As árvores nascem
Crescem e morrem
Como todos nós

A vida brota em todo lugar
e se esvai a qualquer hora
sem dizer adeus

A bela música (Beauty Song - Jia Ren Qu)

A bela música que invade agora
Corta inteira minha dor de alma
Sangram assim meus algúrios
E não preciso precisar quando será
Apenas ouço esta canção novamente
E renovo minha mente
E mente
Se a vida não é real
Eu apenas ouço essa canção novamente
E quão bela é essa canção


escrevi essa poesia ouvindo a música tema do filme "Clã das Adagas Voadores"